sábado, 5 de março de 2011

Solilóquio

A mulher gira
entre as mesas
com a revista e o café
na bandeja
com as cuecas de ontem
e a sandes na bandeja, sobre o chão de verniz.

O homem sentado, alfinete de punho
dourado
É para aqui
menina.

Come a sandes bebe o café lê
a revista de leilões.
Apressa-se a apanhar o táxi
tem reunião de negócios a seguir.


Adriano J. Morgadinho

quarta-feira, 2 de março de 2011

Teologia (um enviesamento)

Entre estar só
e só estar
estou aqui deixado
a deus    agora sim
sempre presente,
sempre ciente:
a intempérie marcial
do Tempo.

Adriano J. Morgadinho

terça-feira, 1 de março de 2011

Lhasa, I

A música acendalha.
o carro com tudo
trancado, eu trancado
no carro.
A tristeza livre, em estéreo.


Adriano J. Morgadinho

Ofício

A cidade como pretexto
os carros, o recorte do fumo, contexto
a caligrafia obstinada, faz por ter texto.
Todos apetrechos para o impossível.


Adriano J. Morgadinho

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ask the dust

o meu nome tem a infinidade
das combinações
de pessoas de terras de sons
de bebedeiras de uns e pais-nossos de outros
um Caravaggio escondido frente a um espelho
móvel

o pai  a mãe  e tudo para trás

só não me tem a mim o meu nome
quatro palavras que são um livro escrito sempre
paulatino, sou escritor ausente, escritor sem vocação
de letras (às vezes há erros na narrativa)
e nada vai ser minha retrospectiva.


Adriano J. Morgadinho

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Hiper-realismo

Dei-lhe um poema do Ramos Rosa
num papel
cheirava a tinta, era novo o papel
no fim das letras estava o meu nome,
deslocado.

disse que não entendia,
que era uma merda que eu escrevia mal que a poesia é uma
merda porque parece uma fotografia mas depois é um quadro
hiper-realista. eu disse que o poema não era uma merda nem
a poesia é tampoco merda.
A merda é ler poesia e querer ter as palavras todas ali.

(Naquele papel só estava o meu nome).


Adriano J. Morgadinho